quinta-feira, 24 de setembro de 2015

54. Eis aqui o agiota (Fausto)


Eis aqui o agiota


Eis aqui o agiota
Eis ali a agiotagem


De novo mergulho na luz do astro da música
A minha cabeça
De novo à procura daquela
Melodia que teima
Em nascer às avessas
Se ribomba no contrapasso e se já cruza o ciberespaço
Então
Cuida de ti usurário
Na zona escura do erário
E da folia financeira
Do teu corpo fundo
E mais anónimo
À volta do mundo
Atravessando fronteiras

Esvoaçam

À tua volta esvoaçam
Taxas de juros e câmbios
De cambistas e banqueiros
Títulos e dívidas
Contraseguros
Visões garridas
Malabaristas
E oníricas
Do dinheiro

A minha guitarra não toca para ti
A minha guitarra rosna

Obeso e rebarbativo alardeando
A engorda
O teu figurino
Obesa a corruptela que mais
Disfarça e transforma
Selvagens capitalismos
Em brandos neoliberalismos
O mais doce dos eufemismos
E então
Tu provas na perfeição
Que geres com o teu cifrão
A infelicidade dos outros
Reduzes um drama
O do maior desemprego
A centigramas
À percentagem de uns poucos

Encurralados

Os mais jovens encurralados
Em becos rasos de seringas
Contrafeitos mercadores
Em praças e ruas
Ruelas e avenidas
Envergonhadas
E mais anuladas
As mãos estendidas
De arrumadores

Morreu a proletária ditadura
A ditadura do mercado já nasceu

Se cada vez menos produzem
Mais para a maior minoria
Toda a riqueza
Se cada vez menos para a imensa maioria sobram
Sobras que te caem da mesa
Da guerrilha dos capitais
Em doces paraísos fiscais

Então
Cuida de ti argentário
O que retrata este sudário
É a maior parte do mundo
Que sobrevive na penumbra
De olhos postos em ti
Moribundo
Mas que te olha já defunto

E enches a boca

De direitos humanos
Enches a boca
De fala
Do pensamento
Mas o do trabalho nunca
E porque será
Que esse direito
No esquecimento fica
Se crucifica
Mais
Se abdica
Mas fica a pergunta

Keynes
Ao pé de ti
E arrumado a um canto
É a alegoria
Ou o retrato de um santo?

Fausto Bordalo Dias (1974)

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